sábado, 13 de fevereiro de 2010

Recortes I

Eu tenho quatro anos e sei trinta piadas de cor, basta dizer o nome que eu conto. Eu tenho cinco anos e sei descobrir a idade de uma pessoa apenas através do ano de nascimento. Eu tenho quatro anos, e sei dizer onde eu moro, desde o número do apartamento até a galáxia. Eu tenho cinco anos e sei ler tudo menos inconstitucionalicimamente. Eu tenho seis e brinco de nave espacial com apenas duas cadeiras e uma cama na casa da minha avó. Tenho uns seis ou sete, e bebo o caldo de carne da Tia Nadja. Tenho uns dez, e estou na Bahia e meu primo pede tuco de macurujá.


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Eu tenho cinco anos e meu pai está chegando de viagem, e eu e minha mãe vamos buscá-lo no aeroporto. Estou no banco de trás, meu pai chega, põe a mala do meu lado e há um bolso do lado de fora dela. Tem uma pequena parte de um livro para fora. A capa parece legal. Eu começo a ler a primeira linha da sinopse e depois vou puxando e puxando e lendo e lendo, até tê-lo em mãos.


Harry Potter entrava em minha vida.


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Sete anos e colégio novo. Primeiro colégio novo da minha vida. Depois de estudar no Christus desde que me lembrava, fora para o Tony.


Eu conhecia um menina da minha turma, que era filha da Tia Sâmia, mas com quem eu brincava mesmo era com o Frango. Era seu apelido legal, por causa do sobrenome. Lucas Dantas Franco.


Lembro que a gente comparava os alunos mais velhos correndo na hora recreio com carros. Se eu não me engano, tinha até uma faixa de pedestre.


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Oito e Christus novamente. Tem os amigos velhos, o Vítor, o Davi (que eu havia descoberto ser meu parente distante), a Thaís (nossa, eu ainda lembro dos nomes...) e alguns novos talvez. Ou não. Eu não sou muito bom em fazer amigos, sei lá.


Ficava ansioso que chegasse o próximo ano, quando eu ia ser o mais velho da sede inteira, e depois, depois eu iria talvez ser aluno da minha mãe! Mas não.


Minha mãe tem um trabalho novo, e ela fica falando de um tal de Farias Brito, mas eu simplesmente não quero deixar o Christus outra vez. Eu não quero, mas ela diz que logo, logo eu vou me acostumar com os novos amigos, e ela me convence.


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Oito e eu chego no Farias Brito Central Júnior e estou com a farda do Chistus, e um menino quase negro, de cabelos curtos para do nada e me pergunta: "Ei, má, o que é que tu tá fazendo aqui? Que blusa é essa?". Eu só faço cara de "o quê?" e depois ele vai embora e eu fico lá esperando enquanto sou matriculado.


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Nove e a Tia Jane fala "divide pelo de baixo e multiplica pelo de cima", usando o dedo médio para demonstrar o processo. Ela também fala depois o significado do gesto, e eu passei a nunca mais usá-lo da mesma forma.


É a Tia Jane também a que foi minha professora favorita por muito tempo, mas que minha memória não permite que eu diga que ainda é. Eu só lembro de suas feições, e ainda acho que misturo com outras perofessoras mais antigas.


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Nove anos e meu passatempo (passada a fase sem-amigos-todo-recreio-na-biblioteca) é correr pela rampa do colégio junto com o Coelhinho, enquanto Emanuel nos persegue. Sei lá o que ele faria se nos pegasse.


Eu sei que ele era louco, mas, sei lá, ele podia fazer isso na hora da aula, quando estávamos parados. Depois a gente passou a brincar no parquinho. Eu era o líder (e isso é até meio estranho de se pensar) e eu ia fazendo desafios com os brinquedos, que eles tinham que repetir. Imaginem que coisas superdifíceis eu era capaz de fazer. Eu lembro claramente que uma das coisas era escalar aquele brinquedo estranho que era praticamente um telhado feito com troncos, só que sem uma casa embaixo, e gritar "eu sou o rei do mundo" de cima do topo. (E agora eu penso como é estranho imaginar o Florêncio fazer isso também.)


Quando a gente ficava livre na Educação Física a gente pegava as bolas de basquete e ficava batendo-as por toda a quadra, subindo as escadas com ela, tendo que fazer tudo que eu imagina possível de ser feito.


A gente brincava de Artemis Fowl; lembro que nessa época eu até criei um hino para o Povo das Fadas (onde será que está isso?)...


Nas nossas loucuras no parquinho tinha a porta corta-fogo que era minha mãe, com a qual eu conversava através dos rangidos que a maçaneta fazia.


Tinha o mundo da brincadeira, que era onde aconteciam as coisas divertidas, e a gente tinha um óculos que a gente tirava quando queria falar algo que não tinha a ver. Acho que esse óculos foi criado nas brincadeiras com uma prima minha, mas enfim.


Era quase um RPG em tempo real. O Emanuel adorava exagerar e criar coisas como escudos impenetráveis, e eu tinha que intervir com a voz da razão.


Eu nunca fui popular. Eu acho que sempre fui do grupo dos que seriam personagens principais em filme de escola. Nem os nerds muito nerds, nem os jogadores de futebol, nem as patricinhas. Esse tipo de grupo parece tão comum pra mim, mas eu não consigo arranjar um nome pra ele.


Quase a sala inteira brincava de Meninos contra meninas e de Polícia e ladrão, e eu o Emanuel e o Coelhinho não. A gente ficava lá, no canto do parquinho mas próximo a saída de trás do Júnior, brincando de qualquer coisa.


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Quarta série, e agora tem mais gente, bem mais gente. Além desses três Lucas tem a Monique, tem o Khalil, tem o Alan (meu arque-inimigo da série anterior!). E agora começam as brincadeiras que eu, na maioria das vezes, inventava. Tem uma que é pega-pega, só que quando o pegue pega em alguém, a parte do corpo tocada fica imobilizada. O pegue tocou sua perna, você tem que correr com uma só.


E veio também o FB2. Os banhos muito envergonhados (uma coisa que eu detestava no começo do ano era tomar banho no FB2), os almoços e a Tia Gracinha (♥). O Emanuel em dois turnos, as meninas brincando de Witch no banco de frente para os banheiros, as brincadeiras com o Alan na sala de repouso, que era como se a gente tivesse a Força de Star Wars, só que a gente chamava de Força G, eu acho.


As quintas-feiras de duas aulas de informática, natação e depois Eucaristia com a Tia Virgínia("meus amores e minhas amoras" ♥ Lembra que um dia ela trouxe amora pra gente provar?) e depois comer caranguejo no Gaúcho e ocasionalmente encontrar a Morgana e fazer a tarefa da Eucaristia com ela.


A Tia Cíntia, a Tia Lígia. Aquela outra loira e estranha que substituiu a Tia Lígia.


De manhã, tô lembrando agora, a gente fazia lutas de vampiros. E tinha até narrador anunciando os pesos e alturas. E eu era superbaixo e supermagro e o Alan fazia questão de frisar isso. É, talvez ele não tenha mudado tanto tão rápido...


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Dez anos e desespero por Harry Potter e a Ordem da Fênix e depois alívio e depois enlouquecimento; 702 páginas em cinco dias.


Aí veio o final do FB2 e veio aquele passeio que a gente nunca vai cansar de lembrar, que tinha a trilha de árvores que de repente virava um deserto e da multidão branca subindo a duna enorme e depois correndo até a água desesperadamente. O passeio de ter aula de Herbologia de mentira em estufas de verdade e de derrotar o Túlio em perguntas de Harry Potter, enquanto pula na cama elástica.


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Quinta série e eu não vou pra Olímpica, e como será que eu seria se eu tivesse ido? Como seriam minhas amizades hoje?


Foi um baque, a quinta série no central. A gente tinha o espírito de brincar todo dia, de correr, de gritar, de fazer efeitos sonoros com a boca, de imaginar... E de repente milhões de pessoas gigantes a nossa frente e a gente não pode mais fazer nada. Foi realmente frustrante para mim, foi um anúncio de fim de infância muito repentino.


A gente tentava brincar quando saia onze e dez, mas não era a mesma coisa.


Aí começou a época do sentar e conversar. Do sentar e conversar na biblioteca e depois ficar com raiva do colégio porque não pode mais entrar com lanche lá dentro. Aí a gente come, come, come e depois entra e o ainda Colehinho fala o que ele tá aprendendo na Olímpica e eu fico louco para aprender também. Foi uma decisão meio difícil mudar de turma na sexta série, mas eu ainda era muito jovem e, de qualuqer forma, eu ainda passei muitos meses visitando meus ex-colegas, e no começo eu passava o recreio inteiro com eles. Ela legal. Tinha as novatas com quem eu não tinha nem estudado, mas conheci mesmo assim. Eu lembro da Carla que era do Pará (e hoje em dia mora lá, mesmo), que ainda fala comigo no Orkut de vez em quando.


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Sexta e eu achava que só ia ter o Coelhinho de conhecido, mas o Rodrigo estava lá. E, sei lá, era estranho falar com ele, porque ele era da turma dos populares que jogavam futebol, mas ele era da mesma turma que eu e éramos dois novatos solitários. E havia o Tales também. Eu lembro tão claramente de eu e o Rodrigo se perguntando, espantados, como o Tales tinha entrado na Olímpica?


A gente sempre sentava do lado direito da sala quando a gente podia escolher o lugar, mas depois veio o mapeamento.


Mapeamento é uma dádiva na minha vida. Acho que noventa por cento das minhas amizades de hoje eu devo ao mapeamento. Fato, fato, fato.


Já teve teatro esse ano e eu fui, mas eu nem lembro por quê. Será que já nessa época eu conhecia a Teddy-Morgana-Raquel-Bianca? Será que foi por isso?

2 comentários:

Stefany Monteiro disse...

Mais, por favor.

João "Johnny" Roberto disse...

Vai postar mais, não?oO
Eu quero ler mais...*hipócrita*

 

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